Jesus e o seu Natal (Por Vinícius)


Os adeptos do Cristianismo, infelizmente, em sua maioria, são sectários. Este mal, porém, é dos homens, não é da doutrina. O Cristianismo é ainda falsamente interpretado e compreendido. Quando chegar a ser entendido es e n tid o tal como deve ser, todos — do Oriente como do Ocidente, do Norte como do Sul — confraternizarão em torno daquela cruz erguida há dois mil anos no topo do Calvário.

Jesus é uma realidade e, ao mesmo tempo, um símbolo. Ele é a verdade, é a justiça, é o amor. Onde predominarem estes elementos, ele aí estará, embora não hajam invocado seu nome. De outra sorte, onde medra e impera a hipocrisia, a iniqüidade e o egoísmo sob suas multiformes modalidades, ele em tal meio não se encontrará, ainda que solicitado, louvado e endeusado pela boca dos homens.

Jesus não é, como se imagina comumente, criador de determinada escola, nem fundador de certa religião. Ele é o revelador da Lei, o expoente máximo, neste mundo, da Vontade divina. Sua missão não teve início em Belém e finalidade no Gólgota. Ele vem, desde que o mundo é mundo, inspirando a Humanidade, orientando e apascentando este rebanho, no desempenho do mandato que o Pai lhe confiara. Jesus é a luz do mundo. Assim como o Sol não ilumina só um hemisfério, mas distribui à Terra toda seus benefícios, assim o Pastor divino apascenta com igual carinho todas as ovelhas do seu redil.

Sobre as Índias, a China e o Japão; como sobre a Europa e a América, paira o Espírito de Jesus velando pela obra da redenção humana. Não importa que o desconheçam quanto à denominação. Ele inspirará, por intermédio deste ou daquele, a revelação divina, o Evangelho do amor. Assim tem feito, assim continuará fazendo até à consumação dos séculos. Aqui lhe darão este nome; ali, nome diverso, tomando muitas vezes o instrui mento, de que ele se serve, como sendo o próprio autor das doutrinas ministradas. Que importa? É ele, sempre ele, o Mediador, o Ungido de Deus para intérprete de sua Lei e distribuidor de sua Graça.

Já o grande Paulo dizia: "Onde há o Espírito do Cristo, aí há liberdade." Jesus jamais constrangiu alguém a crer deste ou daquele modo. Tocava o íntimo do homem, procurando despertar o que ali havia de bom. Salvava pela educação, porque educar é despertar os poderes latentes do espírito, dirigindo-os à conquista desse ideal de perfeição que antevemos através do belo, do justo e do verdadeiro, e pelo qual tanto anseia nossa alma ainda cativa e obscura.

Jesus nasceu em Betlém há cerca de vinte séculos. Mas esse nascimento, como tudo o mais que com ele se relaciona, reveste-se de perpetuidade. O natal do Mestre é um fato que se repete todos os dias: foi de ontem, é de hoje, será de amanhã. Os que ainda não sentiram em seu íntimo a influência do espírito do Cristo ignoram, em verdade, que ele nasceu. Só sabemos das coisas de Jesus por experiência própria. Só após ele haver nascido em nosso coração é que chegaremos a entendê-lo, já em seus ensinos, já no que respeita à sua missão neste orbe.

Nasceu em Betlém de Judá o Redentor do mundo, há perto de vinte séculos. Tal o acontecimento de maior relevância nos fastos da História humana. Tão importante que chegou a abalar as milícias celestiais cujo alvoroço se expandiu nesta álacre mensagem: Gloria a Deus nas maiores alturas e paz na Terra aos homens a quem ele quer bem!

Nascer é iniciar, é dar começo a uma existência em determinado meio. Eis o fato histórico considerado em seu aspecto genérico. Particularizemos, agora, o advento do Messias. Que influência está exercendo em nós o seu nascimento? Que relação existe entre o natal de Jesus e a nossa vida no momento atual? Que veio Jesus fazer à Terra, na parte que nos toca? Eis a questão que nos interessa de perto e que vem determinar o grau de importância daquele natal. Se o nascimento do Redentor não é ainda uma realidade em nós mesmos, influindo positivamente em nosso caráter, que importância pode ter no que nos diz respeito?

As minas do Transvaal são as mais ricas do mundo; é um fato indiscutível, considerado em sua generalidade. Mas em que isso nos interessa? Que proveito tiramos? Se, porém, nos associarmos às empresas que exploram os filões de ouro e os diamantes, então o caso muda de figura, tornando-se para nós de importância capital. O Brasil é um país opulento pela uberdade de seu solo, pela sua flora, seus minérios e suas múltiplas fontes de riqueza. Não obstante, há muita gente pobre e até miserável no Brasil.

Para que as suas decantadas riquezas sejam uma realidade para cada brasileiro, é preciso que este se habilite, granjeando sua independência financeira pelo trabalho, pela inteligência, pela perseverança e pela economia. Caso contrário, todas as vantagens e prerrogativas de nossa terra serão como se não existissem.
Precisamente o mesmo fenômeno se dá com relação ao natal de Jesus. Nenhum proveito nos vem do fato histórico de seu nascimento. Todo o valor desse magno sucesso está nas suas as relações conosco. Se existe essa relação, se aquele fato representa uma força viva atuando em nosso Espírito, então Jesus nasceu para nós e a nós se dirige a angélica mensagem: Glória a Deus nas maiores alturas, paz na Terra aos homens a quem ele quer bem!

Se permanecermos alheios ao natal de Betlém, quanto à sua ef ici ência em nossas almas, tudo o que fizermos para comemorar tão auspiciosa data histórica será vão e vazio, visto como Jesus nasceu para nos salvar do pecado, para nos remir da servidão, dos vícios e das paixões. Se nos conservamos na iniqüidade do século e nos afazemos à escravidão, aquele natalício ainda não se realizou: nada temos, portanto, que comemorar. Ao contrário das hospedarias de Betlém, tratemos de arranjar lugar em nossos corações, para recebermos condignamente o divino hóspede que há dois mil anos bate às nossas portas.


Fonte: Em torno do Mestre (Vinícius)